
FERRONY
(Alessandro Ferrony)
O declínio do underground (que aqui nunca existiu)
Pensei em escrever um pouco sobre o underground, afinal, este é meu chão, é daonde eu vim, rato de porão sim, senhores, com muito orgulho e devoção, embora um tanto fora de forma e com pouco excitação neste momento para protagonizar num cenário que domino. E, num exercício buscando fazer um apanhado das coisas positivas que constituem esse verdadeiro estilo de vida, vi que se fosse empilhar minhas experiências nas próximas linhas, meus escritos cairiam num saudosismo barato. Algo que aprecio, é verdade, mas às vezes evito. E é isso que no momento venho tentando, ou evitando.
Por isso tento fugir do personagem que sempre fui pra poder escrever como um voyeur. Não vai ser fácil... hoje em dia o underground se tornou grife. Bom por um lado (para alguns) porque traz à tona o talento de muita gente, bandas, artistas, agitadores e defensores da propagação dessa que é também uma visão de mundo. Mas não são todos aqueles que estão satisfeitos com isso, e eu sou um deles.
Claro que eu fico contente quando vejo, por exemplo, alguma banda formada por amigos, e são tantas, conseguir se destacar e com muito esforço passar a fazer shows para outros tipos de público, mais abrangentes, gravar um cd (hoje em dia já nem sei se sonham com isso, por causa do mp3 e da internet), começar a ganhar uns pilas com sua arte. É bacana, inegavelmente. Mas eu que não sou músico já vejo por outro lado, o de cara que conhece umas paradas bem exclusivas e que se sente roubado quando a manada descobre aquele biscoito fino que até então só você e mais meia dúzia de “pesquisadores musicais” (eta termo bonito, sô!) conheciam o sabor.
Podem chamar de egoísmo que eu não me importo, mas às vezes o anonimato é o que preserva a identidade de certos artistas. Ora, uma vez que se tornem conhecidos e reconhecidos, passarão a ter uma cobrança maior e, dependendo do contrato que assinarem, serão obrigados a deixar que qualquer produtor metido a entendido manipule até mesmo o jeito de se vestirem e as respostas que devem dar em coletivas de imprensa. Será que vale a pena?
Sem contar que no meio dos cifrões o romantismo sempre se perde. Ou alguém aqui acha que atualmente, depois de tomarem várias pauladas na cabeça, as gravadoras apostam em novos nomes baseando-se somente na honestidade do trabalho e na divulgação da arte? Convenhamos, é a mesma coisa que insistir em crer na virgindade de Maria...
Então vamos combinar assim: o underground virou mainstream e todos estão satisfeitos... não, eu não aceitaria esse tipo de proposta! Nunca! Em Cachoeira, de fato, ele nunca existiu. Existiam pessoas ligadas em bandas e comportamentos mais alternativos, mas foram sendo cooptadas pelo sistema e pela mídia com o tempo, e sem maiores resistências. Restam poucos guerreiros, mas em número insuficiente para organizar de verdade uma cena pela primeira vez. Seriam os moleques de 11 ou 12 anos que hoje passeiam pela Sete usando camisetas do Simple Plan e do Nirvana os responsáveis pela construção de algo que aqui nunca existiu? Não levo muita fé, mas espero que me surpreendam e que, dentro de poucos anos, a gente possa viver o “udigrudi” por aqui e que não seja preciso atravessar a ponte do Fandango pra poder ter esse tipo de experiência de vida, que eu já tive fora, mas quero um dia experimentar do lado de cá das barrancas do Jacuí. A minha parte eu sempre fiz e continuo fazendo, esse evento mesmo que estou produzindo, Under Night, que rola dia 12 desse mês no Náutico, é mais uma “semeadura”.
Vamos ver se depois desse novo “plantio” a molecada vai saber cuidar do broto, até que vire tronco e dê frutos. Sim, eu sou teimoso. E que João Gordo nos abençoe!