CONTO DA VEZ
(Pietro Mello)
A Moldura
Ela: era de um dourado desbotado, cujo brilho fora levado pelo tempo. Havia lascas e arranhões num dos cantos. As florzinhas em relevo que enfeitavam as bordas, agora já tomavam ares de natureza morta. Fora comprada pelo velho, logo que casara há mais de meio século numa pequena lojinha de bugigangas que ficava localizada na esquina da rua principal, e desde então, nunca saíra daquela parede verde musgo.
Em sua essência: a imagem em preto e branco. Um homem vestindo um calção de listras, o peito nu, os dentes tão alvos quanto as nuvens dum dia claro, o corpo magro e os cabelos lisos e molhados. Abria os braços como se abraçasse o vento; uma mulher de longos cabelos louros segurando pela mão um menino, seus cachos, apesar de estáticos, dançando com a brisa, e o sorriso estampava em seu rosto a alegria do momento; o menino tinha um ar sério enquanto segurava sua mãe pelos dedos. O cabelo era escuro e muito curto, a pele bronzeada e os olhos semi-serrados pelo forte sol; o mar ao fundo tremulava, e ao olhar os guarda-sóis, tinha-se a impressão de que a qualquer momento levantariam voo e alcançariam o céu.
A moldura guardava em si, longas datas de existência. Desde a foto, muito tempo se passou. A mulher morrera fazia dez anos, vítima de problemas pulmonares. O garoto, agora vivia longe. Casara-se com uma mulher mais velha havia treze anos. Antes, ele e a mulher visitavam a casa de parede de musgo uma vez por ano. Após a morte da mãe, as visitas tornaram-se meros telefonemas no natal.
Ele: tinha a barba branca e longa, a testa enrugada e os olhos pareciam grandes demais através dos óculos de lentes grossas. Sentado na velha poltrona vermelha, apoiava os pulsos numa bengala de madeira forte. As veias muito aparentes saltavam na mão branca. A perna direita a tremer, a esquerda a dormir. Contemplava a essência da moldura. Olhava-se nela e lembrava-se dos tempos em que a praia era seu maior refúgio. Onde o tempo parecia sossegado e o planeta dava a impressão de estacionar em sua órbita. Pensava na esposa que possuía aqueles cachos tão dourados e brilhantes. Recordava os castelos de areia que construía com o filho. Lembrou-se da vez em que ao terminarem de construir um castelo, uma forte chuva começou a cair. Todos saíram do mar. As pessoas fecharam suas cadeiras e barracas. As mulheres e crianças se exaltaram. Os relâmpagos iluminaram o céu, e as ondas se tornaram assustadoramente grandes. O pai e o filho apenas permaneceram com os olhos voltados para a sua construção na praia , e assim ficaram até as gotas destruírem sua última torre.
O olhar não dizia nada, mas em seu íntimo pensava apenas, que os dias foram claros e felizes e que a vida valera a pena. A imagem alegre da família enchia sua mente de todas as lembranças boas que guardava.
Aos olhos vieram a imagem do jardim que a esposa regava com tanto cuidado todas as manhãs. Da casa na árvore que fizera certa vez para o filho, e de cada sorriso e abraço familiar.
Se olhasse agora pela janela, veria apenas galhos escuros pelo chão. Contemplaria folhas secas que o vento leva e traz. Enxergaria a areia do deserto em seu próprio quintal e inspiraria somente a melancolia do lugar.
O olhar não dizia nada, mas em seu íntimo pensava apenas, que os dias foram claros e felizes e que a vida valera a pena. A imagem alegre da família enchia sua mente de todas as lembranças boas que guardava.
Aos olhos vieram a imagem do jardim que a esposa regava com tanto cuidado todas as manhãs. Da casa na árvore que fizera certa vez para o filho, e de cada sorriso e abraço familiar.
Se olhasse agora pela janela, veria apenas galhos escuros pelo chão. Contemplaria folhas secas que o vento leva e traz. Enxergaria a areia do deserto em seu próprio quintal e inspiraria somente a melancolia do lugar.
Solidão: o vazio das sensações em seu peito.
Por isso, preferia vislumbrar a parede de musgo e a natureza morta que era a moldura, mas principalmente gostava de sentir sua essência. Esta sim lhe trazia as memórias, os gostos, os cheiros e lhe permitia tocar o passado com os dedos.
De repente: uma lágrima a correr debaixo dos seus óculos.
Os olhos se apagando, a respiração sumindo , a perna até então trêmula, a adormecer. O pensamento se esvaindo. A alma se transformando em anjo. As mãos se abrindo. Um último suspiro. Uma bengala ao chão.
Por isso, preferia vislumbrar a parede de musgo e a natureza morta que era a moldura, mas principalmente gostava de sentir sua essência. Esta sim lhe trazia as memórias, os gostos, os cheiros e lhe permitia tocar o passado com os dedos.
De repente: uma lágrima a correr debaixo dos seus óculos.
Os olhos se apagando, a respiração sumindo , a perna até então trêmula, a adormecer. O pensamento se esvaindo. A alma se transformando em anjo. As mãos se abrindo. Um último suspiro. Uma bengala ao chão.
Morte: algo que não se representa numa moldura, mas que fica para sempre nas memórias de sua essência

Muito 10!
ResponderExcluirA Nanda me disse que tu também curti o King, deu pra perceber :D
Não é porque é meu namorado, mas o texo é muito bom! Delicado e sombrio ao mesmo tempo...
ResponderExcluirGrande Pietro
ResponderExcluircara gostei muito msm do texto, seja bem vindo ao clube...precisamos de mentes brilhantes e talentosas que nem a tua...parabens...abraçao
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBah valeu mesmo pelos elogios galera... fico até motivado a escrever mais e mais..
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